domingo, 14 de julho de 2019

A depressão é amarga, mas porque não uma conversa doce, gostosa com café no jardim!

Vida, morte, risos, choros, aromas, sabores, sons, cores, cor, corpo negro presente. Corpos de atores negros em cena com sua potencia, sua beleza, sua força, sua voz, sua vontade de arte, de botar em prática seu lugar no teatro e também de trazer assuntos pouco discutidos, mas importantes de se falar, como o tema sobre a depressão. O teatro que é um lugar que há tempos é elitizado, feito de brancos para brancos, mas que com muita luta e persistência, aos poucos foi e vem abrindo espaços pra vozes e presenças consideradas marginalizadas. “Amargo Vietnã” é um espetáculo escrito por Daniel Magalhães um dramaturgo negro que também enquanto ator, ao lado da atriz Karla Ribeiro, também negra, trazem à tona os personagens que dão vida a peça.
“Amargo Vietnã” é um espetáculo de trabalho de conclusão de curso em artes cênicas pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), do aluno Daniel Magalhães. Ocorrido entre os dias 28 e 30 de setembro de 2018, no Galpão Cultural Sinhá Olímpia, na cidade de Ouro Preto - MG. Basicamente a história de “Amargo Vietnã” gira em torno de um alguém aceitou a morte e caminha em sua direção final, ainda que lentamente. Independente do Gênero, o que mais importa é o que é contado, hora por um homem doente, hora por um corpo feminino belo, forte e cheio de vida que habita este corpo masculino. Este que lidam com sentimentos, lembranças, que juram que as vive plenamente felizes, mas que parecem não existir. É um reflexo da vida cotidiana, ainda que da vida estranha, custosa, em busca de uma saída, um reflexo de alguns dos nossos vários “eus”. “Vietnã não é a guerra! É um conflito interno, grito aflora, que atinge os lugares, que abrange todos os instantes e relações líquidas. Tudo começa como teatro, mas na verdade é assim que se existe do lado de fora: um ensaio cotidiano sem reparos” (MAGALHÃES Daniel).
Esta peça não traz a militância de minorias negras em sua dramaturgia, mas que traz sim a presença e vivacidade visual desses corpos. Mas para além de tudo isso, trata de um assunto que é a “Depressão”, uma doença crônica, psiquiátrica que é recorrente, causando alterações de humor, do bem estar, gera variações cardíacas e na respiração, mas não chega a causar lugar de sinapse química. Caracteriza-se também como uma profunda tristeza e desesperança, mas que pode ser tratada com medicamentos, terapias e sociabilidade (o eu em relação com a sociedade), não podendo ser ignorada como algo banal.
O titulo do espetáculo tem muito haver com o que foi a história do pais Vietnã, marcado por uma forte resistência na guerra com os EUA, ao qual invadiu este pais, e tem por costume inferiorizar outros países. Porém o Vietnã foi forte e ainda humilhou os Estados Unidos. Uma guerra de sobrevivência, e, desse modo, faço assim uma relação a sobrevivências das vidas negras, contra o racismo, e ao mesmo tempo um paralelo a depressão, que é uma luta interna e social pela vida.
Daniel Magalhães passou um período com essa doença, que não é uma simples frescura ou tristeza brevemente passageira que afeta apenas as pessoas brancas, ricas. Ela atinge pessoas negras, de qualquer cor ou classe social, e não é algo que surgiu agora como “modinha contemporânea”, já existe há muito tempo, mas os investimentos em tratamentos e pesquisas são de fato mais recentes em nossa sociedade. Com isso Daniel buscou apresentar em sua peça, um pouco do que ocorre com as pessoas que tem depressão, sentimentos que vão da tristeza profunda, a loucura, confusões, delírios.
O medo, a solidão, a fragilidade, o sufocamento, compulsividade, ansiedade, a falsa felicidade, a dor, o desejo de morte, sentimentos, estão presentes na cena, mas também a simplicidade, a doçura, sonhos, a esperança, a vida. Parece confuso não é? Mas tudo isso faz parte de uma realidade do ator ao qual o mesmo quis mostrar, falar sobre, sendo assim algo confuso, causando um estranhamento no espectador. Também a não Linearidade do texto, das ações, da interação com os espectadores, do espaço alternativo, que não é considerado como palco italiano tradicional, é algo que tira os atores e o público da zona de conforto e padronizada do teatro ocidental. São esses, também um dos desafios e prazeres de se fazer teatro contemporâneo, performativo, que além de buscarem trabalhar com fragmentação de texto, ações e cenas, e que segundo FERNADES, Silvia (2010, p.125): a performatividade presente na cena contemporânea traz uma mutação cênica “ ênfase na realização da própria ação performática e não sobre seu valor de representação [...]Esse desvio determina outro tipo de endereçamento ao receptor, transformando o apelo puramente especular em encorajamento de percepções sensoriais, por meio do mergulho em experiências imersivas próprias às novas tecnologias”.
Foi escolhido para esse espetáculo, fazê-lo em um espaço alternativo ou também denominado (Site specific), que é quando uma obra cênica ou plástica, etc; é adaptada de acordo com o espaço e ambiente escolhido, onde o espetáculo se adapta de acordo com as potencias que o lugar tem, mas também se adapta aos desafios e problemas que ele pode gerar. As pessoas não ficam apenas passivas e sentadas neste tipo de espaço, elas se deslocam, sentam, levantam, falam, comem, bebem, observam e escolhem o que querem focar sua atenção, a simultaneidade de acontecimentos e ações está presente no espaço, independente dos atores. “Amargo Vietnã” foi pensado em dois lugares diferentes, primeiro o Centro de Artes e Convenções de Ouro Preto (UFOP), porém logo depois modificaram para outro lugar, O Galpão Sinhá Olímpia. Escolhido o espaço, no processo foram experimentados diversos pontos, como jardim, cozinha, e galpão onde se encontra lindas alegorias de escola de samba, alterações foram sendo feitas até a ultima semana de apresentação, tudo com orientação da Professora Nina Caetano e por trocas de dicas com o coletivo que estava produzindo o mesmo.
Algumas soluções que são necessárias para o espetáculo ficar ainda melhor são: ajustes na iluminação, pois há momentos em que os atores ficam no escuro, também a projeção de voz e finalizações de frases podiam ter sido melhor trabalhadas. E um grande problema de lugar alternativo, não convencional são os imprevistos que podem ocorrer, como foi no caso de “Amargo Vietnã”, pois os a chuva atrapalhou algumas apresentações, por ser em lugar aberto, tendo de haver modificação no horário de algumas apresentações. Ruídos e músicas em alto volume na vizinhança foi algo que também gerou um incômodo, porém é algo difícil de se controlar, tendo de se adaptar à situação. Foi um processo que tive a oportunidade de participar enquanto operador de som, fazendo diversas trocas com a equipe, tomando café e me divertindo, além de tudo isso acontecer num belo jardim. Ao mesmo tempo tive o gosto de espectar, e enquanto espectador, me sentir contemplado e fui levado pelas histórias ali apresentadas em suas diversas formas, espero assim que tenha uma continuidade e que outros tenham a oportunidade de vivenciar essa experiência.

FICHA TÉCNICA

Texto: Daniel Magalhães
Dramaturgistas: Daniel Magalhães e Karla Ribeiro
Direção: Coletiva
Atuação: Daniel Magalhães e Karla Ribeiro
Cenografia, figurino e registro fotográfico: Ricardo Maia
Pintura Cenográfica: Tom Ferigati
Iluminação: Luana Melo Franco
Produção executiva: Gislayne Érika
Operador de som: Gustavo Ferreira
Arte Gráfica: Eduardo Rigée
Produção e mídia: Renato Condé
Revisão de texto: Luiz Garcia
Marcenaria: Vitor Mourão
Colaboradores: Adriana Maciel, Ana Paula Ferreira, Beatriz Lelis, Giulia Olivia, Ioná Faustino, Josiane de Oliveira, Thais Garcia, Weverton Cerqueira
Orientação: Nina Caetano
Classificação indicativa: 12 anos

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FÉRAL, Josette. Além dos limites. São Paulo: Perspectiva, 2015.
FÉRAL, Josette. Por uma poética performativa: O teatro performativo. Tradução: Lígia Borges. Revisão da tradução: Cícero Alberto de Andrade Oliveira. 2009.
FERNANDES, Sílvia. Teatralidades contemporâneas. - São Paulo: Perspectiva: 2010.
https://www.publionline.iar.unicamp.br/index.php/ppgac/article/view/438/410


Foto: Ricardo Maia


Foto: Ricardo Maia

Arte gráfica: Eduardo Rigée