sábado, 29 de julho de 2017

Montar ou não montar os clássicos?

Tive alguns momentos de reflexão durante minha graduação em Artes Cênicas (licenciatura e atualmente em bacharelado de direção teatral) sobre trabalhar ou não com os clássicos. Essas reflexões me levaram a pensar na importância de buscar os clássicos como referências e base na criação de novos trabalhos. A ideia de montar os clássicos de uma forma mais literal, sem o contexto do que vivemos aqui e agora, me incomoda um pouco, pois tenho para mim que tudo pode ser recriado e modificado, inclusive os clássicos. No entanto, acredito também que novas dramaturgias surgem na cena contemporânea, o que poderia ser mais explorado e trabalhado, abrindo novos diálogos com as inquietações atuais e proporcionando diálogos para novas discussões sobre a cena contemporânea.
Uma das vezes que me deparei com essa discursão foi durante uma montagem da disciplina Direção I do curso de Bacharelado de Direção Teatral da UFOP: eu havia optado por montar o texto Antígona de Sófocles em pleno século XXI. Durante a minha pesquisa foram surgindo inquietações do porquê montar uma tragédia grega que foi escrita por volta de 430 aC. Em meio a tudo isso, surgiu a ideia de montar uma adaptação de Antígona realizada por Bertolt Brecht. Essa reescritura produz novos sentidos para o mito, trazendo à tona o contexto político da segunda guerra mundial. Permeada por esses fatos, fiz a seguinte pergunta: como posso problematizar uma tragédia grega trazendo para os fatos contemporâneos atuais? A partir dessas inquietações resolvi trabalhar com as mulheres que são apedrejadas em praça pública nos países islâmicos, acusadas por crimes de adultério. Busquei as notícias jornalísticas sobre questões como injustiças cometidas nas favelas com mães que perdem seus filhos vítimas de violências policiais e dos políticos corruptos que compram e corrompem o povo.

Através dessas vivências, acredito que o problema não é montar ou não montar os clássicos, mas sim como trabalhá-los de uma forma mais aberta e livre, relacionando com o contexto atual e bebendo do que nos é oferecido nessa polifonia moderna. 

quinta-feira, 27 de julho de 2017

Crítica – Espetáculo “Clube do Fracasso”

O espetáculo “Clube do Fracasso” aborda a pressão de sucesso em nossa sociedade, propondo questionamentos sobre o peso da obrigação de ser bem sucedido em todas as esferas da vida.

Através de uma estrutura narrativa organizada em “quadros”, e cenas separadas por unidade temática - indicada por “títulos” projetados ao estilo dos intertítulos do cinema mudo -, a apresentação é um convite ao público para que este se permita fracassar sem culpa ou aceitar seus fracassos passados como etapas fundamentais para a constituição de suas identidades atuais.

Há um certo exagero na quantidade e disposição de elementos em cena e na composição dos figurinos (os quais se assemelham, na maior parte do tempo, às roupas dos anos 80, com seu excesso de cores, estampas e brilho), o que nos leva, juntamente com o modo de divisão das cenas, a uma associação aos números de vaudeville. Cartas de baralho são jogadas e espalhadas no chão ao início do espetáculo e ali permanecem, tendo sua função de objeto de cena deslocada para a de item cenográfico.

Apesar do grande mérito de se trabalhar contra a corrente do pensamento comum sobre os objetivos da vida e sobre a hipervalorização do sucesso, o espetáculo deixa a desejar em termos de desenvolvimento da encenação, de modo que as transições musicais entre as cenas e o próprio desenrolar das mesmas tornem previsíveis a próxima sequência de ações: projeção do título da cena, intervenção musicada, relatos intercalados de ações (às vezes coreografadas, com alongamentos e saltos, às vezes utilizando objetos com relação mais direta ao que se fala) algum momento mais apelativo emocionalmente e, em seguida, a mesma estrutura, ainda que se altere a ordem destes fragmentos.

A dramaturgia parece ter sido construída coletivamente visto que, além das interações diretas com o público, há diversos momentos em que os atores relatam fracassos pessoais (como quando cada um fala o nome de seu primeiro amor e o resultado desta primeira desilusão amorosa, por exemplo) em mais uma estratégia de provocar identificação direta com os insucessos do público. Neste sentido, as histórias apresentadas e relatadas são tão variadas que se torna improvável, ao menos ao nível textual, que algum indivíduo não se veja em pelo menos uma das situações que desfilam diante de seus olhos.

O texto passa pelo viés da coloquialidade na maior parte do tempo, porém incomodam as repetições intensas da palavra “fracasso” e da frase “o que eu mais queria” (esta mais ao final, no trecho denominado “Jogo dos Quereres”), além de não haver um trabalho que possibilitasse a diferenciação da linha melódica nas falas dos atores, que parece a mesma do início ao fim. Esta sensação de repetição, tanto textual como de recursos de transição, bem como a ausência de uma composição harmônica no palco (que, apesar de se transformar pela modificação de posições e, às vezes uso, de objetos como mesa, cadeiras, etc., provoca sensações de confusão, poluição visual e desconforto) e pouca definição no propósito da maioria das ações, desfavorecem a teatralidade em si, gerando uma sensação de encenação forjada para servir apenas de pano de fundo para a mensagem que se deseja passar com a dramaturgia.

Outros elementos também são explorados de forma pouco ambiciosa, como as pontuais projeções centralizadas ao fundo do palco (onde há imagens que expandem a percepção ao início do espetáculo ao mostrar detalhes de ações em jogo de cartas; porém utilizadas posteriormente apenas para a nomeação das próximas seções temáticas e para um momento em que aparecem imagens de pessoas comuns falando do que desejam enquanto os atores olham para a parede projetada) a iluminação discreta (sem grandes alterações ao longo do espetáculo, destacando-se apenas o instante em que um ator ilumina os rostos dos outros com um refletor em forma de megafone) e carente de significação evidente e os próprios momentos ao estilo musical (aparentemente apenas como recurso de mudança).

Há, no entanto, construções memoráveis, a exemplo da mudança de figurino em cena (onde, quando aparecem, as roupas íntimas também são identificadas como parte do figurino); o som produzido pela raquete quando o ator golpeia o ar; os tapas executados de forma ritmada; a atriz que fala sobre o fracasso de ser a única que não sabia brincar de bambolê mas passa minutos em cena sem deixar que o bambolê caia; a flexibilidade e prontidão do corpo dos atores; a produção apenas com as vozes dos atores do efeito de uma fala ou som com diminuição de velocidade e mais grave. A própria escolha do universo temático, que questiona a valoração do fato de se fracassar ou ter sucesso, torna quase inadequada uma análise do espetáculo sob uma perspectiva de utilização coerente dos elementos da linguagem teatral. Os “descuidos” ou a ausência de pretensão em alguns aspectos da encenação acabam por também compor o discurso de que ninguém ou nada tem a obrigação de ser perfeito. Deste modo, podemos dizer que o espetáculo atinge seu objetivo de relativizar os termos “sucesso” e “fracasso”, evidenciando que estes juízos de valor são apenas questões de percepção ou perspectiva.

Publicado originalmente no site: www.paolagiovana.com.br

quarta-feira, 26 de julho de 2017

Exercício de Critica - gota d'água - Grupo Breviário

A peça começa com uma roda de ponto de umbanda trazendo um pouco da atmosfera do sincretismos existente na cultura de nosso povo. O jogo cênico acontece em um teatro de arená fazendo com que a plateia seja mais do que um espectador presente que compõe junto com os atores, músicos e cenário. A plateia se torna advogada, testemunha e ouvinte de todo os relatos dos personagens e claro de Joana e Jasão que em diversos momentos se apoiam em alguém da plateia. Sentia como se os personagens perguntassem: não é assim que as coisas são? você não concorda comigo? você acha que eu devo ou não fazer isso? olha para mim, quem está errado nessa história? esse artificio enquanto cena era muito interessante porque fazia com que me sentisse como se estivesse dentro do espaço, atmosfera e tempo da cena. A proposta de Gota d'água de uma forma mais próxima e simples me fez pensar que pouco pode ser muito. A simplicidade dessa montagem e a imagens de uma Joana que pertence ao povo, mulher de garra e que padece por um amor ferido, sentimento esse que me fez lembrar das manchetes de jornais, que relatam casos de vinganças amorosas extremas. Na adaptação de Chico Buarque e Paulo Pontes de Medeia a realidade urbana é explorada, e trabalhada de forma realista, trazendo os costumes, dificuldades e religiosidade do subúrbio a tona. Georgette Fadel como personagem de  Joana e diretora junto com Heron Coelho consegue transmitir toda essa realidade através de sua simplicidade em cena. 

sábado, 15 de julho de 2017

Montar ou não montar os clássicos? Eis a questão.

A questão surgiu em sala de aula: Por que montar apenas os clássicos do teatro mundial quando há obras mais recentes, inclusive nacionais, para serem encenadas? Talvez o ponto de discussão não tenha ficado evidente no momento, já que alguns interpretaram o questionamento como uma restrição ao uso de textos do passado. Em minha percepção, no entanto, a provocação era direcionada ao esgotamento destes textos em centenas de montagens da mesma obra ou autor pelas mais diversas companhias ou coletivos de teatro. A este respeito, portanto, tenho algumas considerações:

Na verdade, não vejo problemas em se montar clássicos. Vejo problemas no fato de se montar apenas eles, ou tê-los como prioridade na escolha de que textos produzir, desconsiderando a existência de criações mais recentes, cujas probabilidades de diálogo com o presente são maiores até mesmo pela proximidade das inquietações contemporâneas e do contexto de quando são criados e levados ao palco. Isso não implica em uma crença de que somente peças atuais possam comunicar com o público do presente. Há histórias, narrativas e arquétipos capazes de atingir uma grande variedade de espectadores ao longo de épocas e lugares os mais heterogêneos.

Não se trata, portanto, de desprezar as dramaturgias que marcaram a história do teatro, mas sim de não menosprezar as do presente em função de preferências comerciais por títulos e autores que atraem público por serem mais conhecidos.

1º Exercício de Crítica - Gota d'Água a Conta-gotas




A cena apresentada traz um trecho da peça “Gota d’Água”, de Chico Buarque e Paulo Pontes. Realizada para a câmera, a encenação teve como locação a sala de um apartamento. Apesar de aparentemente não contar com um público presente como no teatro tradicional (visto que ninguém além dos atores aparece no enquadramento da câmera e não temos como saber se havia pessoas por trás dela), o local de visão do público foi considerado como sendo o da perspectiva da câmera, que fica parada ao longo de toda a cena.

Sendo uma apresentação para câmera e em locação real, com a iluminação do próprio ambiente (luz fria da própria casa), esta não aparenta ter função significativa como elemento de linguagem.

Os figurinos são coerentes, sendo o de Jasão uma roupa mais formal, indicando o que é mostrado pelo texto sobre como o personagem melhorou de vida; a roupa de Joana é aceitável, talvez um pouco mais arrumada do que deveria ser para alguém que está cuidando da casa (ela aparece varrendo logo antes de Jasão chegar).

O desempenho dos atores é razoável. Conseguem apresentar a cena inteira sem engasgos, porém ainda falta alguma expressividade no corpo e na voz de modo a delinear melhor a relação entre os dois personagens. Fisicamente, apesar de enfrentar Jasão tanto com as palavras quanto com uma agressividade contida, Joana ainda parece estar em situação desigual em relação a ele, quase sempre com uma tensão abaixo do que a de seu par de cena.

Quanto à movimentação e utilização do espaço, embora este seja mais reduzido do que o tamanho comum de um palco, é bem aproveitado pelos atores, que em determinados momentos utilizam o sofá e a parede como forma de opressão um com o outro. Ainda assim, faz falta uma certa poesia na movimentação, já que grande parte da cena é realizada com ambos em pé em oposição frontal, com interações físicas pontuais.

Enquanto no texto a disputa de razão sobre o passado e o presente das personagens parece em pé de igualdade, tanto a relação entre os corpos – como já mencionado – como o desfecho da cena induzem a uma interpretação de maior fragilidade da personagem de Joana, que acaba no plano baixo, jogada no chão após ser abandonada por Jasão, primeiro sofrendo e pedindo para que ele não vá, depois jurando vingança. Acredito que para um aprimoramento do trabalho seria interessante um olhar de fora, talvez uma perspectiva de direção. A cena é até bem executada, se considerarmos que os atores parecem estar em formação; porém poderia ser melhor desenvolvida através de observações que levassem em conta as forças de relação presentes no texto da peça, bem como o subtexto das personagens, trazendo para a encenação elementos mais visualmente interessantes e maior cuidado com as significações produzidas pela interpretação em si.