quinta-feira, 27 de julho de 2017

Crítica – Espetáculo “Clube do Fracasso”

O espetáculo “Clube do Fracasso” aborda a pressão de sucesso em nossa sociedade, propondo questionamentos sobre o peso da obrigação de ser bem sucedido em todas as esferas da vida.

Através de uma estrutura narrativa organizada em “quadros”, e cenas separadas por unidade temática - indicada por “títulos” projetados ao estilo dos intertítulos do cinema mudo -, a apresentação é um convite ao público para que este se permita fracassar sem culpa ou aceitar seus fracassos passados como etapas fundamentais para a constituição de suas identidades atuais.

Há um certo exagero na quantidade e disposição de elementos em cena e na composição dos figurinos (os quais se assemelham, na maior parte do tempo, às roupas dos anos 80, com seu excesso de cores, estampas e brilho), o que nos leva, juntamente com o modo de divisão das cenas, a uma associação aos números de vaudeville. Cartas de baralho são jogadas e espalhadas no chão ao início do espetáculo e ali permanecem, tendo sua função de objeto de cena deslocada para a de item cenográfico.

Apesar do grande mérito de se trabalhar contra a corrente do pensamento comum sobre os objetivos da vida e sobre a hipervalorização do sucesso, o espetáculo deixa a desejar em termos de desenvolvimento da encenação, de modo que as transições musicais entre as cenas e o próprio desenrolar das mesmas tornem previsíveis a próxima sequência de ações: projeção do título da cena, intervenção musicada, relatos intercalados de ações (às vezes coreografadas, com alongamentos e saltos, às vezes utilizando objetos com relação mais direta ao que se fala) algum momento mais apelativo emocionalmente e, em seguida, a mesma estrutura, ainda que se altere a ordem destes fragmentos.

A dramaturgia parece ter sido construída coletivamente visto que, além das interações diretas com o público, há diversos momentos em que os atores relatam fracassos pessoais (como quando cada um fala o nome de seu primeiro amor e o resultado desta primeira desilusão amorosa, por exemplo) em mais uma estratégia de provocar identificação direta com os insucessos do público. Neste sentido, as histórias apresentadas e relatadas são tão variadas que se torna improvável, ao menos ao nível textual, que algum indivíduo não se veja em pelo menos uma das situações que desfilam diante de seus olhos.

O texto passa pelo viés da coloquialidade na maior parte do tempo, porém incomodam as repetições intensas da palavra “fracasso” e da frase “o que eu mais queria” (esta mais ao final, no trecho denominado “Jogo dos Quereres”), além de não haver um trabalho que possibilitasse a diferenciação da linha melódica nas falas dos atores, que parece a mesma do início ao fim. Esta sensação de repetição, tanto textual como de recursos de transição, bem como a ausência de uma composição harmônica no palco (que, apesar de se transformar pela modificação de posições e, às vezes uso, de objetos como mesa, cadeiras, etc., provoca sensações de confusão, poluição visual e desconforto) e pouca definição no propósito da maioria das ações, desfavorecem a teatralidade em si, gerando uma sensação de encenação forjada para servir apenas de pano de fundo para a mensagem que se deseja passar com a dramaturgia.

Outros elementos também são explorados de forma pouco ambiciosa, como as pontuais projeções centralizadas ao fundo do palco (onde há imagens que expandem a percepção ao início do espetáculo ao mostrar detalhes de ações em jogo de cartas; porém utilizadas posteriormente apenas para a nomeação das próximas seções temáticas e para um momento em que aparecem imagens de pessoas comuns falando do que desejam enquanto os atores olham para a parede projetada) a iluminação discreta (sem grandes alterações ao longo do espetáculo, destacando-se apenas o instante em que um ator ilumina os rostos dos outros com um refletor em forma de megafone) e carente de significação evidente e os próprios momentos ao estilo musical (aparentemente apenas como recurso de mudança).

Há, no entanto, construções memoráveis, a exemplo da mudança de figurino em cena (onde, quando aparecem, as roupas íntimas também são identificadas como parte do figurino); o som produzido pela raquete quando o ator golpeia o ar; os tapas executados de forma ritmada; a atriz que fala sobre o fracasso de ser a única que não sabia brincar de bambolê mas passa minutos em cena sem deixar que o bambolê caia; a flexibilidade e prontidão do corpo dos atores; a produção apenas com as vozes dos atores do efeito de uma fala ou som com diminuição de velocidade e mais grave. A própria escolha do universo temático, que questiona a valoração do fato de se fracassar ou ter sucesso, torna quase inadequada uma análise do espetáculo sob uma perspectiva de utilização coerente dos elementos da linguagem teatral. Os “descuidos” ou a ausência de pretensão em alguns aspectos da encenação acabam por também compor o discurso de que ninguém ou nada tem a obrigação de ser perfeito. Deste modo, podemos dizer que o espetáculo atinge seu objetivo de relativizar os termos “sucesso” e “fracasso”, evidenciando que estes juízos de valor são apenas questões de percepção ou perspectiva.

Publicado originalmente no site: www.paolagiovana.com.br

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