Bem-aventurados os de coração bom e pés calçados que
frente ao senhor puderam ver com
olhos e mãos as suas chagas, e puderam sentir o calor dos corpos e das línguas
de fogo que pairavam ao redor daqueles que escutavam suas palavras. Ainda, bem-aventurados aqueles que entenderam que a
procissão longa, as estações e os sermões desta via patibulis¹ era para o espectador ver o que tinha para ser visto
e só assim crer.
Ao assistir a qualquer peça é impossível não criar
expectativas para aquilo que está por acontecer, ainda mais quando a gente
conhece os envolvidos na criação da mesma. Nas mãos da diretora Camila
Vendramini, um título, Jesus Era Um
Rebelde, não perdeu sua polêmica em nada, mas trouxe uma visão atualizada e
muito mais palpável de uma história que não se encontra em um livro milenar e ultrapassado. Era como
que um exercício de revisão do texto, na qual os dramaturgos, Gio de Oliveira
e Pedro Gaban, se debruçaram e
perceberam que aquilo não aconteceu exatamente do jeito que os antigos
escreveram.
Numa peça cuja dramaturgia e encenação estão
organizadas em estações, os atores conduzem o público ao longo dos espaços e
suas temáticas. Quem assiste às cenas poderia facilmente relacionar e fazer
referências com passagens bastante comuns no ritual cristão, e (como eu) fazer
um exercício rápido de nominar cada uma delas: a concentração do exército de
Deus, a anunciação do livre arbítrio de Maria e o plano B do Senhor, a tentação
de Jesus nas escadas, o sermão dos três poderes, o fiat² de Maria, os pecados capitais instalados, o sermão da
montanha e o eco, o julgamento à brasileira, o comercial cristão e o espetáculo
da crucificação de Jesus. Após desfecho, Cristo, apóstolos e simpatizantes se
juntaram nas Bodas de Caná. A sequência apresentada, apesar de não ser um
roteiro cronológico em algumas cenas, permite ao espectador vivenciar os atos
sem prejuízos, porém, quando observados alguns quadros sequenciais era possível
uma melhor percepção da obra. Se pudesse então elencar as cenas numa escala de
eficácia, o comercial cristão ou a cena do templo tomado por comerciantes ocuparia
o topo, enquanto o sermão da montanha e a crucificação teriam o lugar mais
baixo. Os critérios para esse ranking levam muito mais em consideração o quanto
das cenas chegaram até os espectadores, e as que ocupam a base desse ranking
foram aquelas, que a meu ver, não tocaram. O sermão da montanha, por exemplo,
apesar de seu potencial, ficou prejudicada na estreia por causa do
distanciamento das caixas de som.
Aproveitando o gancho, a técnica da peça foi o único
ponto a qual deveriam ter dedicado mais tempo. Vestimentas que eram trocadas ao
longo dos atos, eram deixadas em lugares de muita visibilidade e isso provocava
uma poluição de cena bastante grande. Um outro momento, quando os atores
atiravam bombinhas na fogueira, denotou um descuidado com a segurança dos
próprios atores e do público que estava em volta. O risco era muito claro, e
alguns espectadores se recusaram a integrar o restante do grupo devido à
proximidade com o fogo. Ao final da peça, a presença de um guia com uma
lanterna poderia ter facilitado a saída dos espectadores devido a falta de
iluminação do espaço e também das escadarias.
Acredito que ajustes tenham sido feitos para o segundo
dia de apresentação, mas que a energia e a exaltação dos atores tenha sido a
mesma que a da estreia. Realmente, foi belíssimo ver o suor escorrendo no rosto
deles, não pelo calor da fogueira ou das tochas, mas porque algo ali dentro
parecia ter algo em chamas e pronto para iluminar. Lembro de uma frase dita por
um dos personagens que falava algo como que se
a verdadeira luz não estivesse na vela, mas sim dentro de nós mesmos. Para
uma peça que começou quando o sol ainda estava no céu, houve bastante luz
quando por fim, as bodas começaram e a banda tomou seu posto. Jesus estava lá
entre os rebeldes! ■
¹ Via Patibulis: Caminho da forca em latim fazendo referência à expressão via crucis ou via sacra e ao local de apresentação da peça, que se deu no Morro da Forca em Ouro Preto.
² Fiat: O Fiat de Maria é denominado assim para simbolizar o momento em que Maria de Nazaré aceita o filho de Deus e consente que que seja feita a vontade de Deus.
FICHA TÉCNICA
Atuação – Diego Abegão; Ernesto Valença; Fernando Del; Gio de Oliveira; Hayslan Rodrigues; Isabela Freiria; Jaque Line; Letícia Schinelo; Nathane Nathânia; Pedro Gaban; Renan Adrião; Washington Piu; Yago RufatoDireção – Camila Vendramini
Atuação – Diego Abegão; Ernesto Valença; Fernando Del; Gio de Oliveira; Hayslan Rodrigues; Isabela Freiria; Jaque Line; Letícia Schinelo; Nathane Nathânia; Pedro Gaban; Renan Adrião; Washington Piu; Yago RufatoDireção – Camila Vendramini
Dramaturgia – Gio de Oliveira; Pedro Gaban
Iluminação – Camila Vendramini; Lua Melo Franco; Tiago Calixto
Caracterização – Jéssica Luiza Cardoso
Produção – Christian Rodrigues; Fredd Amorim; Laira Oliva; Vinícius Amorim; Bangalô de Irene Aconchego das artes
Arte Gráfica – AbismoEdição de Vídeo – Arthur Medrado
Orientação – Ernesto Valença
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