Todo mundo conhece
outras versões de histórias bíblicas, sejam elas de memes da internet, de
documentários do History Channel, matérias de revistas ou estudos embasados e
comprovados por historiadores, antropólogos, entre outros. Hoje em dia as
tantas histórias metafóricas que recheiam o tal livro sagrado já provaram ser
exatamente o que sempre foram: metáforas. Para falar sobre um tempo muito,
muito distante. Mas, curiosamente, existem pessoas que insistem que elas
realmente aconteceram, batendo o pé e afirmando as mãos de Deus em fatos
terrenos: uma mulher nascida da milagrosa costela de um homem? Óbvio... Outra
mulher que engravida virgem e sem sexo? Porque não? Um homem que andava sobre
as águas? Vemos todos os dias.
A Igreja Católica
Apostólica Romana deu seu jeito durante todo este tempo (e ainda dá) de pintar
o tal Messias como o único salvador, como se somente ele tivesse passado por
todos os sofrimentos do mundo e não houvesse mais ninguém a altura. O único
prometido a salvar essa terra cheia de pecados foi incompreendido e o final
todos já sabem: ele morreu por nós. Por mim, por você, pelo mundo inteiro. Mas
a comoção em volta de uma das histórias mais famosas de todos os tempos parece
ocultar a simplicidade dos fatos reais: um homem com ideias subversivas à ordem
e a paz civil que foi morto pelo Estado. Não parece muito único, né? De lá pra
cá, cidades cresceram através do sofrimento e morte de escravos, mulheres e
homens que tentaram um suspiro de igualdade e justiça foram torturados,
guilhotinados, esfaqueados, baleados, apedrejados, esquartejados, enforcados,
mortos. Pessoas que tem coragem de peitar os estados opressores que as regem a
gente conhece demais ao longo da história. Jesus Cristo morre todos os dias nos
morros do Rio de Janeiro. Jesus Cristo foi torturado e morto durante a Ditadura
Militar de 1964 (Brasil). Jesus Cristo carregou muita pedra nas costas pra
erguer a histórica Ouro Preto.
Todo mundo sabe que
Ouro Preto é uma cidade cheia de pontos turísticos. Um lugar que abrigou uma
forca durante a primeira metade do século XIX é um deles. Muitos Nazarenos
desafiadores da moral e dos bons costumes devem ter morrido por ali também.
Depois da morte da estrela principal daquela sagrada escritura que diz trazer a
salvação junto de si, essas várias histórias foram encenadas com o decorrer das
décadas, por vezes para a catequização, por outras para serem criticadas e
subvertidas mesmo e como é bom quando a segunda opção acontece.
Jesus Era Um Rebelde
é um espetáculo itinerante que não só ocupa parte das ruas erguidas por muitos
Jesuses negros como também o espaço de assassinato de vários outros Jesuses da
mesma época. Explorando vários ângulos, alturas e direcionamentos nas cenas,
além de conter instalações, iluminação com fogo e recursos multimídia para a
cenografia, essa ocupação do Morro da Forca é um dos pontos altos do
espetáculo, pela raridade de acontecimentos no local e pela conexão dos fatos
históricos. O público é conduzido a peregrinar da rua até a parte final do
Morro, o que funciona muito bem durante toda a encenação, apesar da dificuldade
para escutar algumas falas das personagens em determinados momentos.
Os diversos blocos
propostos pela peça dão a entender que cada um corresponde a um acontecimento
bíblico e para cada acontecimento há uma ligação com um fato atual ou uma nova
versão, na maioria das vezes através da visão de uma mulher. Subvertendo
algumas histórias da Virgem Maria e de Maria Madalena, Jesus Era Um Rebelde
consegue mostrar como a Bíblia carrega uma visão masculina que consegue
distorcer atos a primeira vista sagrados e milagrosos, mas que na verdade podem
ter sido repletos de crueldade e abuso contra a mulher mesmo.
No entanto, fico me
perguntando se há necessidade de tantos gritos e bombas durante algumas cenas.
Acredito que esses tipos de recursos cansam o espectador e que a mensagem pode
ser transmitida sem a necessidade desse ápice sonoro, além tornarem
determinadas cenas dramáticas em excesso. Também me pergunto sobre até que
ponto algumas cenas precisam necessariamente ser tão extensas, trazendo uma
falta de objetividade. Isso faz com que as duas horas do espetáculo carreguem
algumas repetições que poderiam ser evitadas. Apesar disso, as diferentes
ocupações do espaço instigam do começo ao fim, até que um show de rock
estrelado pelas personagens bíblicas nos conduzem para o fim ao anoitecer. Para
todos os Jesuses que passaram por este mundo e os que ainda estão vivendo por
aí, quebrando e questionando a cruz que um suposto deus os imcumbiu de
carregar. Sempre.
FICHA TÉCNICA
Atuação – Diego Abegão; Ernesto Valença; Fernando Del; Gio
de Oliveira; Hayslan Rodrigues; Isabela Freiria; Jaque Line; Letícia Schinelo;
Nathane Nathânia; Pedro Gaban; Renan Adrião; Washington Piu; Yago RufatoDireção
– Camila Vendramini
Dramaturgia – Gio de Oliveira; Pedro Gaban
Iluminação – Camila Vendramini; Lua Melo Franco; Tiago
Calixto
Caracterização – Jéssica Luiza Cardoso
Produção –
Christian Rodrigues; Fredd Amorim; Laira Oliva; Vinícius Amorim; Bangalô de
Irene Aconchego das artes
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