segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Teatro é Morte. Morte também é Vida.



Não é de hoje que se fala sobre a relação entre arte e vida. O teatro, onde corpos vivos de atores dão forma e movimento às histórias que ficariam estáticas - estátuas perdidas num deserto, existência que não se vê e não produz sentido - se não fossem lidas ou representadas, é muitas vezes visto como uma das artes em que essa aproximação fica mais evidente. Como reflexo de sua efemeridade, o teatro é tido como metáfora da vida. Esquecemos, no entanto, que em sua essência, tanto o teatro quanto a vida são fundamentalmente efêmeros, prenúncio do blackout que precede o cair dos panos. “Cai o Pano” (Curtain) é o nome do livro da Agatha Christie em que nos despedimos do detetive Poirot e ele se despede da própria vida. Poderíamos nos perder em infinitas associações entre o fim de um espetáculo teatral, o descer das cortinas e o anoitecer gelado de quando o coração cessa de pulsar. Maria Alice Vergueiro (São Paulo - 1935), no entanto, nos oferece uma superação da morte em vida ao encenar seu velório em “Why The Horse”, e é a partir dessa obra que ampliaremos nossa percepção sobre as sutis linha entre o real e o ficcional; o concreto e o abstrato; a encenação e a experiência; a morte-vida e a arte.

Em uma atmosfera onírica e de sensações surrealistas, o espetáculo (denominado como um happening em entrevista de vídeo com a atriz) oferece camadas de sentido que entrelaçam o tema da morte (bem como os sinais de perecimento presentes na fragilidade do corpo envelhecido) com um panorama da carreira de Maria Alice nas artes cênicas. Referências diretas a autores e obras interpretados pela atriz, além de trechos de textos e canções que tangenciam o existir e deixar de existir, compõem quadros que se conectam com ações, iluminação e figurino que revelam um imaginário mais bem humorado do que fúnebre sobre o assunto.

A composição principal do palco inclui um piano à esquerda; um fundo de lápides verticais ao centro, com nomes importantes para o teatro, como Stanislavski, Tchekhov, Svoboda, Sarah Kane, Boal, Cocteau, entre outros, além de um nome que não pode ser lido devido a um jarro de flores colocado à sua frente (o nome Maria, talvez?); uma cadeira de rodas; também há elementos que são colocados e às vezes retirados de cena. As maiores transformações que acontecem nesta composição, no entanto, ocorrem devido às interferências das movimentações dos atores e da iluminação, que alterna entre uma geral chapada e branca e entre colorações azuladas e arroxeadas, além da penumbra.

Após o pianista (que executa grande parte da trilha sonora ao vivo) começar a tocar uma música fúnebre, Maria Alice Vergueiro entra em cena, denunciando toda a fragilidade de seu corpo ao ser amparada por dois companheiros que irão contracenar com ela. Luciano Chirolli, parceiro de outros trabalhos, é quem ajeita os joelhos da atriz para que esta se mantenha em pé enquanto atravessa o palco e faz vênias às lápides e à plateia, anunciando: “Obrigada por vocês virem ao meu velório.”. Em seguida, ela é levada até a cadeira de rodas, onde abraça Luciano para se sentar. Eles se olham com cumplicidade e ela começa a cantar o poema de Brecht, “Ó delícia de começar”. Outras referências sobre obras ou atores memoráveis da carreira da atriz geralmente são anunciadas (assim como diversos tipos de quebra são bastante comuns ao longo do espetáculo) e nomes como Beckett, Brecht e Weill são constantes.

Trilha musical; efeitos sonoros; iluminação; figurino (Luciano veste um terno poído, sob o qual traz o peito coberto por bandagens); a presença de uma criatura que poderia ser a morte, vestida com um casaco de folhas e que tem função caótica na dinâmica das ações; leve ao tratar da sexualidade depois dos 60; os relatos da própria atriz, como a afirmação de que não consegue lembrar de um poema que irá recitar e vai precisar do auxílio de sua parceira de cena como ponto; e o tão enigmático cavalo do título são apenas alguns dos elementos que se misturam para criar este universo dramático que se configura quase como um portal que não está localizado nem neste mundo nem no outro, mas delicadamente pousado na interseção entre eles.



FICHA TÉCNICA:
(referência: http://spcultura.prefeitura.sp.gov.br/evento/24357/)

Grupo Pândega

Direção – Maria Alice Vergueiro

Assistente de Direção – Pedro Monticelli

Dramaturgia – Fábio Furtado

Direção de Movimento – Alexandre Magno

Elenco – Maria Alice Vergueiro, Luciano Chirolli, Carolina Splendore, Robson Catalunha, Alexandre Magno e Otávio Ortega

Cenário – J.C. Serroni. Figurino –Telumi Hellen

Desenho de Luz – Guilherme Bonfanti

Trilha Sonora Original – Otávio Ortega

Direção de Produção e Administação – Carla Estefan

Direção de Cena– Elisete Jeremias.Camareira – Maria Cícera

Design Gráfico – Sato – Casadalapa

Operação de Luz – Marcela Katzin

Operação de som – Fabrício Cardeal



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS



AMORIM, P. F. Em 'Why the Horse?', Maria Alice Vergueiro encena a própria morte, 2017. Disponivel em: <http://www.huffpostbrasil.com/paloma-franca-amorim/em-why-the-horse-maria-alice-vergueiro-encena-a-propria-mort_a_21676446/>.

MARIA Alice Vergueiro não tem medo da morte. Instituto Hilda Hilst. Disponivel em: <https://www.hildahilst.com.br/blog/maria-alice-vergueiro-nao-tem-medo-da-morte>.

VÌDEO do You Tube. Why the horse - legendado. YouTube. Disponivel em: <https://www.youtube.com/watch?v=ecy7HfSQ328>

2 comentários:

  1. Olá Paola, o início é bem intrigante pois lança um pensamento universal sobre o teatro e depois verticaliza na reflexão da peça Why the horse? o primeiro parágrafo, segunda frase deve ser revisado, pode ser mais curto e claro. A metáfora de vida e morte é uma boa chave de leitura em se tratando de Maria Alice Vergueiro. Sinto falta de uma foto para ampliar e intensificar as referências teatrais que você cita e dar corpo à sua crítica que é sensorial e semiótica, ao mesmo tempo. Sei que você coloca o link para o vídeo, mas um crítica em internet traz esta mescla de textos e imagens. Boa descrição da encenação. Bacana inserir referências bibliográficas, pois demonstra que o espetáculo tem uma amplitude de pesquisa e recepção.

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  2. Oi Leticia! Agradeço as observações! Realmente esqueci de colocar o vídeo ou foto no corpo do post. Vou editar em breve para corrigir.

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